Ras Abu Galum

Decidimos fazer uma noite diferente e ir para Ras Abu Galum mas desta vez de barco e não de camelo. Arrumámos a tralha toda, desde equipamento de mergulho a fotográfico para dentro e fora de água, lençóis, pois não há cá a pieguice dos sacos-camas e a parte mais importante a água, tínhamos que levar bastante.
Ras Abu Galum é um local que fica para norte de Dahab a cerca de 1hora de camelo desde o Blue Hole, também é possível chegar de carro mas é necessário dar a volta pelo deserto e são umas quantas horas. Os únicos residentes de Ras Abu Galum são umas famílias de beduínos e uma estrangeira, dona das cabanas onde íamos passar a noite.

Fomos de carro até uma parte e saímos no meio do deserto para carregar tudo para dentro do barco. Um barco de fibra que estava semi-encalhado no coral morto.
A questão que colocámos foi, se eles conduzem os carros daquela forma... como é que serão a navegar??
A viagem para lá foi suave pois o mar estava flat, sem vento nenhum. Fizemos uma paragem para ir buscar as coisas de uns Suiços que vinham connosco mas que iam lá ter a pé e seguimos.
A viagem de barco até correu bem e assim que chegámos descarregámos tudo para uma pick up e fomos ver as “instalações” onde íamos ficar. O que nos veio à cabeça foi “...esta vai ser no mínimo uma noite rústica, muito rústica”. Fomos falar com a dona das cabanas. Francesca é uma senhora Italiana com cerca 60 anos, que vive lá todo o ano as condições são no mínimo parcas. Ao virmos a este lugar, apercebemo-nos do excesso em que vivemos. Como é que é possível viver sem água canalizada (a água vem de um oásis no meio das montanhas e chega de pick-up em jerricans de 30litros) com o mínimo de electricidade e conforto? Chegamos à conclusão de que se calhar nós estamos mal habituados e temos excesso de coisas, afinal eles vivem num lugar espectacular do mundo e muitos de nós abrimos a janela para outro prédio igual a tantos outros.
Escolhemos a nossa “cabana” e voltámos novamente a descarregar a tralha toda. As acomodações são simples, entre a barraca rústica e o quase nada, umas paredes de folhas de palmeiras, canas e alguns painéis de madeira e o telhado que pode ser de chapa ou da mesma construção que as paredes, como porta uma cortina de pano a esvoaçar ao vento, é o que basta.

Passado algum tempo, começaram a aparecer os Suíços 1 por 1 com um ar completamente atropelado.
Todos se acomodaram ficando uns ao lado dos outros. Antes do jantar juntámo-nos a um Árabe que tocava instrumentos tradicionais, uma melodia que entrava no ouvido de uma forma muito suave e calma, que se enquadrava na paisagem. Foi uma sensação de bem-estar e leveza até ser interrompida pelos sons dos dois Trombones dos Suíços (lembraram-se de levar o trombone mas água não). Houve ali alguns momentos em que tentavam adequar e fundir os sons mas foi claro que os dois instrumentos não se complementavam, depois de algumas tentativas o Árabe desistiu e foi-se embora a rir.
Ainda assim, o som do trombone continuou por algumas horas junto à água...pelo menos pareceram horas.

Começamos a beber chá como é costume por estas bandas e foi-nos oferecido pelos nossos companheiros de viagem um chá com brinde...agradecemos e continuámos a beber o chá “normal” ao que parece o que tinha brinde não lhes caiu muito bem e no dia seguinte pareciam novamente atropelados.

Chegou a hora de jantar e optámos pelo peixe acabado de pescar, pelos locais. Toda a família participa na pesca. Os homens vão de barco, as mulheres e os mais jovens deambulam pelos corais a apanhar búzios, bivalves e pequenos peixes, com armas e apetrechos bastantes rudimentares.
A comida finalmente chega num tabuleiro gigante e num outro mais pequeno com os peixes por cima de um monte de arroz e massa (típico daqui) e salada. É claro que não se vai comer com talheres ou pratos, faz algum sentido tendo em conta como é que depois se lavava aquilo tudo? Talvez no mar, mais uma vez o mínimo essencial chega, uma colher para cada um é suficiente.
Éramos 9 pessoas a comerem daquele mega tabuleiro e confesso que só com uma “open mind” é que é possível para partilhar a comida daquela forma com pessoas que não conhecemos e estando eles num estado de espírito semelhante ao do Sherlock Holmes.
A comida estava boa e continuámos pela noite a beber chá. Decidimos então que já era uma boa hora para acender a fogueira. Os nossos amigos queriam fazer umas filmagens com a fogueira e mesmo com vento, decidimos em prol da imagem acender a fogueira. Queremos salientar que por volta das 23h ainda estavam cerca de 35º. O nosso conceito de fogueira é uma coisa flamejante com alguma dimensão, demorou um pouco a acender mas quando acendeu, ficou uma chama enorme e com o vento tornou-se um pouco descontrolado. Tendo em conta que estava mesmo em frente à cabana e que esta era feita de madeira e palhas talvez não tenha sido boa ideia, pensámos nós. Lá apagámos a fogueira, até o fogo aqui é de pequenas dimensões feito com uns poucos palitos para não lhe chamar outra coisa e desde que tenha umas brasitas que aqueça a cafeteira do chá, já chega.

A noite estava linda, a lua quase cheia iluminava as montanhas dando-lhes um aspecto ainda mais imponente. Tínhamos combinado de fazer um mergulho à noite mas quando entrámos na água sem fato e com o vento, perdemos todos a coragem, acabámos por ficar só com água pelos joelhos simplesmente a falar e tentar perceber se haviam peixes-rocha ou dragão nas redondezas.
Fomos tentar dormir umas horas pois queríamos acordar para captar algumas imagens do nascer do sol, perguntamos ao marido da Francesca a que horas era o nascer do sol e como resposta “...o sol nasce quando nasce, eu acordo com a luz e como não uso relógio não faço ideia de que horas são ou quando é que o sol nasce, num lugar destes para que servem as horas?” Assim apostámos nas 4:30h e preparámos os alarmes, coisa de “Gringos”. 



A noite foi terrível, o vento passou de forte para muito forte, parecia mesmo que a nossa cabana não ia aguentar e que se ia desintegrar a qualquer momento, ninguém conseguiu dormir nem os cães que ladraram a noite toda ou pelo menos a parte que tentámos dormir.

Levantámo-nos e esperámos um pouco, até que começámos a ver alguns raios e depois o sol a nascer por detrás das montanhas da Arábia Saudita, foi sem dúvida um momento inesquecível. 



Tentámos dormir mais umas horas e depois fomos tomar o pequeno-almoço com os locais. Uma das beduínas, mulher do “Cabtain” Salim fez-nos o pequeno-almoço mesmo à nossa frente, ou seja, no chão e utilizando uma fogueira pequena, claro. O pequeno almoço deles é ligeiramente diferente do que estamos habituados a comer em Portugal. Este é composto por babaganouch, uma mistura de beringela assada directamente na brasa com alho e mais qualquer coisa, salada, tahina, pão, queijo de cabra e chá. Ainda tivemos direito a uma mistura de ervas para as dores de estômago e água num púcaro que servia para todos, por um lado as ervas curam a dor por outro a água dá outra vez cabo de nós. O “Cabtain” Salim é um dos anciãos do Ras Abu Galum, e no final do pequeno almoço a modestíssima casa dele estava cheia dos restantes beduínos todos em conversa e muito interessados em nós com um inglês atabalhoado.



O vento continuava forte mas não nos impediu de fazer uns mergulhos muito giros e acima de tudo descontraídos ao longo do dia.




O regresso de barco foi bastante atribulado. Voltando um pouco acima, sobre a condução deles, ficou claro que não sabem navegar...muito menos contra o vento e com vagas. Ainda tentámos ajudar e dar umas dicas de navegação mas foi tudo em vão. Como eu costumo dizer eles deviam ter-se ficado só pelos camelos, era muito mais ecológico, menos perigoso e bem mais giro.


Mais uma vez ficou por ver a Blue Lagona e o cemitério dos camelos, ambos vão ficar para uma próxima. Quem sabe se não será ainda durante esta estadia.

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